Terror, no ar e na banca, marca a primeira década do século 21

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA


A sombra daqueles dois aviões atirados sucessivamente contra as Torres Gêmeas de Nova York é a imagem da década. 

Teria sido mesmo que o terror daquele 11 de setembro de 2001 tivesse se esgotado ali. Afinal, jamais o território continental dos Estados Unidos havia sofrido um ataque. 

Mas o 11 de setembro se desdobrou muito além dele, marcou toda a primeira década do novo século e certamente ainda invadirá alguns anos, pelo menos, da segunda década. 

O ataque desatou o que os Estados Unidos batizaram de "guerra ao terror". Resultado: duas guerras ainda em andamento, a primeira no Afeganistão e a segunda no Iraque. A primeira já é a mais longa guerra travada por um país cuja história está marcada por conflitos, sempre fora de seu território. 

As guerras, por sua vez, foram uma afirmação de unilateralismo que abalou as relações dos Estados Unidos até com aliados tradicionais, ainda que hesitantes, como a França, por exemplo. Ressentiram-se de que o presidente George Walker Bush dispensasse o manto legal oferecido por uma resolução das Nações Unidas para invadir o Iraque. 

Para não mencionar que a ânsia unilateralista inventou a existência de armas de destruição em massa no Iraque. Não havia. Inventou ainda um vínculo Bagdá/Al Qaeda, a rede apontada como responsável pelo 11 de setembro. Não havia. Mas passou a haver depois da invasão porque o radicalismo colhe com mais facilidade no território adubado pelo ressentimento com a destruição causada pela invasão e pelo vazio de poder gerado pela liquidação do aparelho de Estado criado por Saddam Hussein. 

Ainda que indiretamente, dá até para dizer que os desdobramentos dos atentados de 2001 ajudam a explicar a vitória --igualmente inédita-- de um negro na disputa presidencial de sete anos depois. A "guerra ao terror" esgotou os norte-americanos, desgastou irremediavelmente o presidente que a lançou e criou o terreno favorável à emergência de quem se apresentava como mensageiro da "mudança", fosse qual fosse o significado da palavra. 

Mas o que definiu de fato a vitória de Barack Obama foi o outro 11 de setembro da década, ocorrido, para ser preciso, no dia 15 de outubro de 2008. Foi o dia em que o governo Bush deixou quebrar a casa bancária Lehman Brothers, o que funcionou como catalisador de uma crise financeira que já vinha de antes. 

O terror nas finanças, tal como o que viera dos céus, espalhou-se muito além do 15 de outubro. Seus efeitos voaram além de Wall Street, a ruazinha que, por abrigar a Bolsa de Nova York, é tratada como símbolo do capitalismo e, por sinistra coincidência, fica muito perto do local onde estavam fincadas as Torres Gêmeas. 

Mas, ao contrário da "guerra ao terror", que se moveu com a lentidão inexorável dos blindados, a "guerra financeira" teve o contágio imediato, fulminante, típico da nova era das comunicações eletrônicas. Pela primeira vez na história, o mundo conheceu um movimento sincronizado: todas as economias --ricas ou pobres, emergentes ou em desenvolvimento, da Europa, da Ásia ou das Américas - embicaram para baixo. Para a recessão, no pior dos casos, de resto os mais numerosos, ou para a desaceleração (casos de China e Índia) ou para o crescimento zero (caso do Brasil). 

O combate ao terror financeiro acabou provocando a completa inversão do unilateralismo da guerra ao outro terror: consolidou-se uma instituição multilateral --o G20-- como primeiro ator no debate da crise financeira, atropelando o velho G7/G8 e pondo o mundo emergente no assento da frente. 

Mas a história de ambos os terrorismos ainda invadirá a segunda década do século.

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